“Avó, ponha-me no chão!”
Fui buscá-las à escola, o mesmo jardim de infância onde andou a Ana e depois a Madalena, com o conforto da familiaridade do sítio conhecido (e a consciência da minha idade!). Não as via há uma semana, e quando entrei e as encontrei no meio dos outros meninos, a lavarem as mãos para lanchar, pareceram-me de repente tão grandes, as feições diferentes, mais altas e mais magras, os caracóis desalinhados que a Carminho puxava para trás num trejeito novo, quase adolescente.
Como é que é possível que tenham dado um salto tão gigante e estejam já tão seguras de si, pensei, parada a olhar para elas. Depois descongelei e abri os braços, mas para minha surpresa não correram para eles, como é hábito. Havia ali uma reserva diferente, de quem é apanhado de surpresa – “O que é que a avó faz neste cenário?” –, de quem não sabe muito bem como é que é suposto acolher um “estranho”,neste espaço novo.
Aceitaram dar-me a mão, e mostrar-me tudo, num entusiasmo crescente, numa escola pequenina e sem portas fechadas, onde se sentem em casa, descontraída, mas com regras claras. De vez em quando, na excitação, chamavam-me o nome da educadora, que sorridente aparecia e desaparecia, enquanto dava iogurtes, beijinhos em esfoladelas de joelhos, e ajoelhava-se à altura do “aluno” que falava com ela.
Voltei atrás no tempo, à sensação de angústia e dor que sentia quando o meu filho mais velho me trocava o nome pelo da ama ou da professora, e me sentia tão rejeitada, tão culpada, certa de que devia estar mais tempo com ele, assustada com medo de que ela se tornasse mais importante do que eu. Fui aprendendo que o coração deles (como o nosso) não funciona assim e no entanto, ali estava eu a tremer um bocadinho…
Da sala descemos para o recreio, e fui-me cruzando com pais e muitos avós (e na importância do seu papel ali, consolidei o meu), sentados com os filhos e netos, neste ou naquele cantinho, a brincar com o coelho à solta ou a assistir como espetadores embevecidos ao salto que o “seu” menino tinha estado a treinar para lhes mostrar. Gosto de escolas em que a família não tem de marcar hora para falar com a educadora, nem é convidada apenas no dia disto ou daquilo, em que o cenário está montado para os impressionar; gosto de escolas em que nos contam uma graça ou uma história do dia do nosso filho/neto, mas sem a obrigação subserviente, que parece estar na moda, de entregar aos pais um relatório, como se tivessem de justificar cada segundo do dia, à semelhança daquelas contas detalhadas que nos apresentam quando vamos buscar o carro à revisão. E sou sobretudo alérgica às educadoras que se comportam como aquelas mães que dizem “Ai quando o teu pai chegar!”, e em lugar de resolverem os problemas com as crianças, encerrando ali o assunto, despejam sobre os pais um rol de queixinhas!
Tenho más memórias de como mãe inexperiente, ansiosa pela certificação da professora, receber ao fim do dia lamúrias de como “Hoje não pintou o desenho até ao fim”, ou “Espirrou água na casa de banho para cima de outro menino”, que eu, idiota e ingénua, tomava como graves — senão fossem, para que é que ela mos contava?!?. E lá vinha eu o caminho todo para casa a catequisar o miúdo para as virtudes de um comportamento exemplar, pobres dos primeiros filhos (que agora… são quase todos).
Mas com um “Olhe avó, olhe”, volto ao presente, para ver a Carmo subir ao escorrega e descer virada ao contrário. Quando finalmente dizemos adeus, num acesso de saudades pego na Madalena ao colo, e ela protesta, zangada, “Avó, ponha-me no chão, que eu já sou crescida!”. Olhei-a entre o riso e o espanto e balbuciei qualquer coisa como: “Pois está, mas não sei é se a sua avó está mentalmente preparada para perder assim os seus bebés!” Quando chegámos a casa e se aconchegaram no meu colo para ler uma história, cansadas de um dia inteiro de “crescidas”, volto a tê-las pequeninas. Sei que é por minutos, mas é bom.
Por Isabel Stilwell
Fonte: http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/isabel-stilwell/6988-avo-ponha-me-no-chao
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